domingo, 16 de agosto de 2020

Breves considerações históricas sobre a placa retirada do Centro Cívico

Autoria: Professor Francisco Nascimento

Na manhã do dia 14 de agosto de 2020 (sexta-feira) foi inaugurada uma placa em uma das pirâmides que integram o Centro Cívico, ao lado do prisma e da pira, alusiva à visita do então presidente da República, Jair Messias Bolsonaro à cidade de Parnaíba – Piauí, que de fato aconteceu em 2019.

 

Constava na placa: “visitou Parnaíba nesta data o líder ungido por Deus, que livrou o Brasil do comunismo e da corrupção”. Vale ressaltar que no ano em curso o presidente foi convidado oficialmente, porém não compareceu.


Assim que as imagens da placa começaram a circular nas redes sociais, houve uma onda de críticas, protestos, piadas, e até memes, que ainda continuam. Dessa maneira, a cidade de Parnaíba e o seu prefeito, Francisco de Assis Moraes Souza (Mão Santa) ocuparam novamente um significativo destaque nas mídias locais e nacional.

 

A postura “negacionista” do mandatário municipal e as orientações questionáveis em relação à pandemia do corona vírus ganharam notabilidade em vídeo no qual afirmava que “bastava beber água pois os germes, no caso os micróbios e o vírus ao serem empurrados para o estômago, aí o ácido clorídrico mata ele (o vírus), esteriliza ele”.
Um dia após a inauguração houve uma manifestação de protesto, com lançamento de tinta e logo depois a placa foi removida, não se sabe por quem.

 

A retirada da placa foi comemorada nas redes sociais, despertando uma militância raivosa que produziu várias ações de insultos e ameaças aqueles que são contrários à fixação da polêmica placa, nos levando a fazer algumas considerações:

1) A placa fixada no Centro Cívico de Parnaíba por ocasião do aniversário de 176 anos, em si mesma, NÃO representa Patrimônio Cultural. O patrimônio cultural material de um povo representa um bem coletivo, uma experiência histórica com valor de registro, valor artístico, associado à função utilitária, memorialística e simbólica. Não pode ser considerado patrimônio cultural um produto recente, inserido numa obra arquitetônica, que deforma sua historicidade, seu sentido das lutas sociais e políticas, a simbologia do lugar, a imagética e os sentidos – História de Parnaíba. A fixação da placa como “corpo estranho”, além de desvirtuar o sentido histórico fere o princípio da verdade histórica, em relação aos aspectos que serão mencionados a seguir:

2) A autoridade política de maneira ideológica e panfletária atribuiu ao homenageado a denominação de “ungido por Deus”. Não há possibilidade do gestor municipal leigo comprovar a unção de um político, muito menos atribuir à unção ao próprio Deus. Tal impossibilidade teológica e litúrgica, em se tratando de um Estado laico é evidente. E do ponto de vista religioso, cristão católico – credo que o prefeito professa - é muito mais grave, pois a partir da exegese bíblica do antigo e do novo Testamento não se pode afirmar, sob sério risco de Heresia de fé, que nos dias atuais determinado político é ungido pelo Senhor. Teofania, Profecia, Escatologia são do campo de conhecimento religioso e não político. Sua apropriação indevida e irresponsável gera conflitos epistemológicos.

3) No que se refere ao “livramento do Brasil dos comunistas” trata-se de uma adjetivação inverídica, que também fere o princípio da verdade histórica, claramente apresentada pela historiografia brasileira e pela ciência política, o que assume uma concepção anedótica mas muito perigosa, pueril e ao mesmo tempo desrespeitosa para pesquisadores que se debruçam para estudar os processos revolucionários e seus impactos na história global, sem contar que o Brasil continua fazendo acordos comerciais com a Rússia, Coreia do Norte, Cuba e com a China, só pra citar alguns exemplos. A economia brasileira está diretamente beneficiada pelas práticas comerciais cujas suas lideranças possuem uma vinculação à sua herança política comunista. Se o Brasil resolver romper seus acordos comerciais com a China – super potência da atualidade - a economia brasileira entra em colapso imediatamente.

4) Sobre “livrar o Brasil da corrupção”, o que dizer do laranjal do Queiroz? Da distribuição de cargos para os partidos do Centrão, do uso da verba pública da Câmara em Campanha, dos assessores condenados atuando diretamente no Governo? Etc. 


O historiador que criticou a fixação e comemorou quando foi retirada a placa – Prof. Ms. Josenias S. Silva - está completamente correto e cumpre seu dever de ofício, no que se refere à contribuição para construção da consciência histórica, não devendo de modo algum se furtar ao seu trabalho como pesquisador e docente. A fixação da placa além de macular o patrimônio histórico, material, edificado de Parnaíba, localizado do Centro cívico, possui um conteúdo incoerente, ideológico e falacioso.