Criada
em 2016 para discutir a proposta da Escola sem Partido, a comissão da Câmara
dos Deputados sobre o tema gastou R$
61.355,07 de fevereiro de 2017 a abril de 2018 com a vinda de
convidados a Brasília e com a realização de seminários em outras cidades, de
acordo com dados obtidos pelo por meio da Lei de Acesso à
Informação.
Uma
das bandeiras da bancada religiosa, o projeto de lei 7180/14 altera a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação para proibir o desenvolvimento de políticas de
ensino e adoção de disciplinas no currículo escolar "nem mesmo de forma
complementar ou facultativa, que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o
termo “gênero” ou “orientação sexual”, diz o parecer do relator, o missionário
católico deputado Flavinho (PSC-SP).
A
proposta também estabelece que professores não poderão usar sua posição para
cooptar alunos para qualquer corrente política, ideológica ou partidária e
prevê que as escolas deverão afixar cartazes com o conteúdo da lei.
O projeto vai na contramão do que indicam pesquisas de opinião sobre o tema. Sondagem do Ibope encomendada pela instituição Católicas pelo Direito de Decidir divulgada em junho de 2017, por exemplo, revela que 84% dos entrevistados concordam que professores discutam sobre a igualdade entre os sexos com os alunos. Outros 72% concordam com debates sobre o direito de cada pessoa viver livremente sua sexualidade, sejam elas heterossexuais ou homossexuais.
O substitutivo ao PL foi apresentado em 8 de maio por Flavinho, que analisa se irá adotar as emendas apresentadas. A votação foi agendada para 4 de julho na comissão. Se for aprovado lá, onde a maioria dos integrantes é das bancadas católica e evangélica, o texto segue para o plenário da Câmara dos Deputados.
A expectativa é que o texto não seja votado em plenário nos próximos meses devido ao momento eleitoral. Embora deva desistir da candidatura ao Palácio do Planalto, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) está de olho em se reeleger e se manter no comando da Casa no próximo mandato.
Em troca do apoio de parte de deputados do PCdoB para chegar à presidência da Câmara, o democrata tem evitado que propostas da bancada da Bíblia cheguem ao plenário. Os textos, contudo, continuam avançando, como é o caso da Proposta de Emenda à Constituição 181/2015, que inviabiliza o aborto nos casos de estupro e aguarda para concluir a votação na comissão sobre o tema.
Gastos da Escola sem Partido
Desde que iniciou os debates, a comissão da Escola sem Partido organizou 22 audiências públicas na capital e 7 seminários nas cidades de São José dos Campos (SP), Campinas (SP), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), São Luís (MA) e Campo Grande (MS).
A maior parte dos gastos é de passagens aéreas e hospedagens para palestrantes em Brasília. Os custos dos deputados que viajam para seminários não foram pagos pelo colegiado e cabem aos próprios parlamentares.
Ao total, foram 71 convidados, sendo que 5 participaram de mais de uma discussão, de acordo com relatórios de atividades do colegiado. Desse total, 32 tiveram passagens aéreas ou hospedagem pagas pela Câmara. Os outros bancaram os próprios custos de deslocamento.
Os gastos para reuniões na capital incluem tanto especialistas contra como a favor do projeto de lei. Foi pago, por exemplo, R$ 896,90 em passagem aérea em 7 de fevereiro de 2017 para o diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI, Toni Reis, crítico à proposta. Já em 21 de março do mesmo ano, a passagem de Thomas Giulliano, coordenador do livro Desconstruindo Paulo Freire e defensor da Escola Sem Partido, custou R$ 1.555,12 aos cofres públicos.
Nome mais frequente nos debates, presente 5 vezes, o fundador do Movimento Escola sem Partido, Miguel Nagib, não usou recursos da Câmara. Ele esteve em duas audiências públicas em Brasília, além de ter sido palestrante em seminários em Campo Grande, São Paulo e Campinas.
Na primeira participação, em 14 de fevereiro de 2017, Nagib defendeu que violência contra mulher e homofobia não devem ser tratados em escolas. "O Estado pode fazer uma política contra homofobia usando os meios de comunicação. O Estado tem uma verba bilionária para isso. Ele vai fazer propaganda na televisão porque ninguém é obrigado a assistir essas propagandas. Na sala de aula é diferente porque o pai é obrigado a colocar o filho na escola", afirmou à época.
Seminários em cidades viram palanque
Nagib também foi convidado do seminário em São Paulo em 15 de maio de 2017, presidido pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), um dos mais atuantes nas viagens da comissão.
No evento, o vereador Fernando Holiday (DEM) afirmou que críticas de professores à religião levam adolescentes à criminalidade. "Na periferia, muitas vezes, para muitas famílias, você acaba tendo somente duas figuras de inspiração. Uma é o pastor ou padre da igreja e o outro é o traficante. A partir do momento em que o professor, na sala de aula, tirou uma dessas inspirações, no caso o pastor e a Igreja em si, dizendo que aquilo era fantasia e ficção, muitos alunos passaram a enxergar somente um único caminho possível", afirmou na época.
Integrante do MBL – Movimento Brasil Livre, uma das instituições à frente da defesa da proposta, o nome de Holiday também consta na lista de gastos da comissão. De acordo com dados enviados pela Lei de Acesso à Informação, em 9 de maio de 2017, Câmara gastou R$ 1.678,79 em passagens para o vereador participar de audiência pública em Brasília.
Além dos custos com passagem e hospedagem de convidados e de material gráfico, a Câmara gastou R$ 2.920,78 com a ida de um servidor a um seminário no Plenário da Câmara Municipal de Campinas, em 5 de maio de 2017. A cidade é colégio eleitoral do deputado Paulo Freire (PR-SP), coordenador do evento. Neste dia, os palestrantes foram Miguel Nagib, que já havia participado de reunião em Brasília e Manoel Messias Bispo dos Santos, diretor-executivo da Escola Teológica Brasileira.
O seminário em São José dos Campos, em 24 de maio de 2017, por sua vez, foi coordenado pelo relator, deputado Flavinho, também eleito por São Paulo. Os debatedores convidados foram Tiago Camargo, membro da Comunidade Canção Nova e a favor do projeto e outros dois especialistas contrários.
No Rio de Janeiro, o seminário em 22 de maio de 2017 contou com a presença dos dois irmãos de Eduardo Bolsonaro: o vereador Carlos Bolsonaro e o deputado estadual Flávio Bolsonaro, ambos do PSL. Foi de uma conversa com Flávio que surgiu o projeto de Nagib. Também participou do debate o vereador Carlos Jordy (PSC), autor de um projeto similar no Rio e a procuradora do Distrito Federal aposentada, Beatriz Kicis, uma das ativistas à frente de protestos a favor do impeachment de Dilma Rousseff.
Contrário à Escola sem Partido, o deputado Bacelar (Podemos-BA), por sua vez, esteve à frente do seminário na Câmara Municipal de Salvador, em 29 de maio de 2017. Ambos os especialistas convidados para o evento, Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, e a professora Sandra Marinho, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), criticaram o projeto de lei. Em contraposição, Eduardo Bolsonaro defendeu a proposta na tribuna.A reportagem procurou os deputados Flavinho e Marcos Rogério (DEM-RO), presidente do colegiado, para comentar os gastos e A escolha de convidados para os debates, mas ambos não responderam até a publicação deste texto.
Fonte: EPolítica