A maior bacia hidrográfica
do Nordeste, o Rio Parnaíba, se tornou depósito de esgoto e lixo dos centros
urbanos. A área que deveria ser preservada é utilizada como pasto para gados e
os caçadores agem livremente. Recentemente, o Tribunal Regional Federal da 1ª
Região (TRF-1), do Distrito Federal, decidiu obrigar os órgãos responsáveis a
adotar medidas para conservação da área. Especialistas chamam a atenção para a
importância da reserva na biodiversidade brasileira.
Em 2002, o então
presidente Fernando Henrique Cardoso determinou, por decreto, a criação do
Parque Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba, abrangendo os estados do Piauí,
Maranhão, Bahia e Tocantins. Nos anos seguintes, no entanto, nada foi feito
para instalar e proteger a reserva. A omissão motivou uma ação civil pública
impetrada, em 2007, pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra a União, o
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
A área demarcada atualmente tem 730 mil hectares, que atravessam diferentes biomas, como o cerrado, a caatinga e o costeiro. “Oficialmente, a demarcação foi feita, mas de forma atrapalhada. O parque existe, mas proteção, cuidados, fiscalização, não. Não há possibilidade de visitação porque não tem acesso, estradas, só veredas”, explica Tânia Martins, coordenadora da Rede Ambiental do Piauí (Reapi).
O abandono favorece diversos crimes ambientais e coloca em risco os recursos naturais. “Tem caçadores, problemas de grilagem de terra, mas a pior depredação é do gado, nunca ouvi falar do Ibama lá. Os criadores soltam os animais lá dentro, eles ficam por meses, só são retirados no período da chuva”, alerta Martins.
Segundo ela, é necessária uma atenção especial nas nascentes. O rio representa um terço das águas da região e sofre com o lançamento de esgotos clandestinos e até do estado, que mantém uma cultura de jogar dejetos nos rios, desde a década de 1970. “O Piauí tem histórico de desertificação reconhecida pela Unesco e corre o risco de chegar nas nascentes daquele que é o maior rio do nordeste, se considerar que o São Francisco nasce em Minas Gerais. É um rio muito importante para essa região e um tesouro para a humanidade.”
Proteger a área também representa conservar uma parte significativa do cerrado, de acordo com Julio Cesar Sampaio, coordenador do Programa Cerrado Pantanal da ONG WWF Brasil. “O parque é uma das áreas do bloco remanescente do cerrado. Apesar de metade do cerrado estar preservado, a maior parte está fragmentada em pedacinhos ao longo do território. Lá são grandes blocos, o desmatamento sobe nessa região e bota em risco a parte remanescente do bioma”, explica.
Segundo ele, o bioma tem menos de 3% de área protegida. “O Parque do Parnaíba está incluído, também é contabilizado, mas não foi implementado de fato. É uma grande armadilha. O Brasil fala, internacionalmente, que protege 3% do cerrado, o que é pouco, mas, na prática, é muito menos que isso.”
Depredação
Em 2015, a 22ª Vara Federal do Distrito Federal julgou procedente o pedido da
OAB e condenou o Ibama a liberar verba retida de R$ 3 milhões para a criação do
parque. Também determinou que o ICMBio passasse a adotar providências efetivas
para instalação, demarcação e fiscalização. E decidiu que os dois órgãos e a
União exercessem adequadamente o poder de polícia administrativa para coibir a
depredação da bacia hidrográfica.
A União, Ibama e ICMBio decidiram contestar a decisão no TRF-1, mas o recurso foi rejeitado, por unanimidade, pela 5ª turma, no dia 11 deste mês, e ficou determinada a implementação efetiva do parque. O acórdão foi publicado na última quarta-feira. “Isso significa um enorme ganho para a coletividade, uma vez que essa medida vem para a proteção do maior rio genuinamente nordestino. A defesa do manancial de águas do Brasil possui relevância econômica, social e cultural. Os rios são a identidade de nossa nação e a água-doce será o petróleo deste milênio”, defende Marcus Vinícius Coêlho, presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB.
Em nota, o Ibama disse que a administração de
parques nacionais federais é de responsabilidade do ICMBio e que não tem
dotação orçamentária nem autorização legal para isso. “Todas as empresas com
processos de licenciamento ambiental federal devem destinar 0,5% do valor da
obra para um fundo de compensação ambiental. Apesar de o licenciamento ser
conduzido pelo Ibama, o fundo é gerenciado por um comitê com diversas
instituições como membros, inclusive o Ibama, e a verba da compensação é
destinada para os projetos aprovados pelo comitê.”
Procurado, o ICMBio disse que não foi notificado da
decisão e, portanto, não vai se posicionar. No recurso ao TRF-1, os órgãos
argumentaram que não houve omissão do poder público na implementação do Parque
Nacional, que a morosidade para a realização do projeto ocorre por causa de dificuldades
para a efetivação do processo fundiário e que a intervenção do Poder Judiciário
na matéria viola o princípio da separação dos poderes.
Fonte: Correio Braziliense