Por
Bruno Oliveira
Acadêmico de Filosofia da Universidade Estadual do Piauí
Acadêmico de Filosofia da Universidade Estadual do Piauí
Um filósofo inglês do
século XVII chamado Thomas Hobbes disse que "o homem é o lobo do
homem". Isto significa que se deixado naquilo que ele chama de estado de
natureza cada um faz o que quer para satisfazer suas vontades: a única coisa
que vale é a força. Se eu quiser a casa de um cara posso matá-lo e tomá-la para
mim. Mas como não existe lei, outro pode fazer comigo a mesma coisa. O estado
de natureza é um estado de paranoia, desconfiança, brutalidade e medo. Como
resolver esta situação?
A resposta de Hobbes está
na figura do soberano. O soberano é o representante máximo de uma coisa chamado
Estado. E como surge esse Estado e de onde vem seu poder? Hobbes diz que como
cada um tem medo de morrer, cada um abre mão de sua liberdade de fazer o que
quiser e transfere para o Estado o arbítrio dos conflitos. Em vez de todo mundo
se matar, nós confiamos de que o Estado vai saber mediar os interesses da
população, o que significa que de vez em quando é preciso engolir alguns sapos,
pois nem tudo que me agrada pode agradar o outro e vice-versa.
Note que neste cenário, o homem não mudou sua essência: ele ainda é um lobo, que está confinado apenas pelos grilhões impostos pelo Estado (que ele mesmo pediu para colocar, na verdade). Como a essência humana permanece a mesma, se o Estado deixar de existir ou não for capaz de manter a lei, voltamos ao estado de natureza, à paranoia, desconfiança, brutalidade e medo. Na verdade, como esta é nossa essência, nunca deixamos de verdade o estado de natureza, apenas transmitimos nossa paranoia, desconfiança, brutalidade e medo para as forças que devem zelar pela nossa segurança, tais como as instâncias policiais e militares.
Aqui no Brasil acreditamos na tese do estado de natureza. Pensamos que o humano é essencialmente cruel, mesquinho e autoritário. E justamente por crermos nisto que sempre vamos perder. Acha que militares nas ruas resolve algum problema de criminalidade? Perdeu. Acha que andar armado na rua evita a violência? Perdeu. Acha que a PM existir, ainda mais nos moldes atuais, garante a segurança pública? Perdeu, perdeu tanto que até cego em tiroteio fica com dó do quanto você está perdido.
Uma sociedade que crê no estado de natureza só pode produzir uma população que age segundo este princípio. Somos maus, maculados por um pecado original inapagável, que apenas pode ser contido pela força. Daí acreditarmos que repressão resolve tudo. Mas reprimir não é alterar a essência, é recalcá-la, ocultá-la. A ditadura reprimiu a violência urbana por meio de um programa higienista que gerou o processo de favelização, deixando o estado de natureza correr solto em periferias, longe dos ricos e da classe média, com quase total ausência de Estado. Quando a ditadura acabou, a panela de pressão explodiu e sentimos na pele as consequências disto até hoje.
Moral da história? O recalcado sempre retorna. Nossa violência nunca será apagada ou evitada segundo o modelo hobbesiano. Achar que o problema da criminalidade pode ser resolvido com repressão, tiro, porrada e bomba significa garantir que ela perdure. Se pensa que andar armado, ter tanques nas ruas, soldados com fuzis ou PM brutal reduz a violência, saiba que está apenas deslocando-a na verdade, se você tem este tipo de mentalidade, está ajudando a garantir que a violência continue é parte involuntária do problema.
Qualquer que seja a forma
como lidaremos com as consequências dessa forma de pensamento, enquanto
acharmos que o homem é o lobo do homem qualquer solução será meramente
cosmética: apenas disfarçará nossa decadência, mas nunca a evitará, pode até
enganar por um tempo nas estatísticas, mas uma hora explodirá. Enquanto
acreditarmos que nossa essência é o estado de natureza, não há polícia ou
exército capaz de nos salvar. Se esta mentalidade nos impregnar ao extremo,
vamos todos juntos cair na vala comum de nossa insensibilidade enquanto
trocamos tiros.